Grande Sertão: Veredas, a obra literária clássica de Guimarães Rosa já ganhou duas adaptações no audiovisual: uma vez nas telonas, em 1965, e a outra em formato de minissérie pela Globo, em 1985. Agora sob as mãos do diretor Guel Arraes, a história de Riobaldo e Diadorim recebe uma nova roupagem. Chegando em 6 de junho nos cinemas, assistimos em primeira mão o filme, numa parceria com a Paris Filmes, e te contamos em detalhes as nossas impressões dele.
A história
A trama transporta a narrativa do sertão rural para um cenário de guerra urbana, onde facções criminosas dominam uma comunidade cercada por muros. A adaptação mantém o núcleo da história original, mas com uma adaptação que ressoa com os conflitos urbanos atuais.
Acompanhamos Riobaldo, um professor de escola pública dedicado que leciona em uma favela distópica, marcada por violência e conflitos. Durante um tiroteio, Riobaldo reconhece Diadorim, integrante do bando de criminosos, que foi baleado. Diadorim é o garoto que encantou Riobaldo na infância, e ele decide ajudá-lo a escapar da polícia. Essa decisão coloca Riobaldo em uma situação complicada, onde mentir para as autoridades significa não poder retomar sua vida normal.
Apaixonado por Diadorim e sem perspectivas de trabalho, Riobaldo resolve se juntar ao grupo de criminosos para fazer justiça com as próprias mãos. A partir daí, a trama se desenrola explorando temas como lealdade, traição, vida e morte. A luta de Riobaldo é contra seus sentimentos por Diadorim, a tensão entre suas crenças e a realidade violenta que o cerca.
O elenco brilha enquanto o drama se estende
O filme apresenta uma cinematografia interessante, mas o ponto mais alto são as atuações. Caio Blat e Luisa Arraes, casal na vida real, demonstram uma química incrível e já consolidada na adaptação teatral de Grande Sertão, interpretando Riobaldo e Diadorim. A dinâmica da intensa paixão de ambos, que não pode ser revelada, é um dos destaques da narrativa. Ela queima em Diadorim nos momentos de ação, e Luisa sabe como passar isso em tela muito bem.
Rodrigo Lombardi também se destaca como o justo e complexo chefe Joca Ramiro, assim como Luís Miranda, dando vida ao pragmático e justo coronel Zé Bebelo. Mas sem dúvidas o maior destaque é o Hermógenes de Eduardo Sterblitch. Tanto a caracterização quanto o trabalho do ator deram vida a esse personagem de forma excepcional, criando um antagonista caótico, imprevisível e impulsivo.
Porém, o filme apresenta um aspecto que incomoda profundamente: a poesia falada dos diálogos. Apesar de interessante no início, se torna algo cansativo para a segunda metade da história. O teor teatral e dramático inserido no filme acaba sobrecarregando o espectador e fazendo com que o filme chegue sem fôlego a um final previsível, mesmo para quem nunca teve contato com a obra original.
Veredito Final
É sempre bom quando o cinema brasileiro decide se reinventar, resgatando obras literárias e atribuindo a elas uma nova vida nas telas. A obra de Guimarães Rosa é uma das mais importantes no país, antecipando temas como a construção de gênero e questionando as expectativas impostas pela sociedade sobre o que é o feminino e o masculino.
A nova adaptação ao cinema é cercado de boas ideias, como um Caio Blat mais velho narrando a história de Riobaldo, quase como em um documentário, e intervindo no filme para encenar algumas poesias do livro. No entanto, a carga dramática excessiva compromete várias cenas que seriam emocionantes e intensas, tornando-as desconfortáveis e até constrangedoras. Apesar das excelentes atuações, o filme força demais o drama, resultando em momentos que, sem intenção, acabam se tornando engraçados.
Em resumo, Grande Sertão apresenta uma boa proposta, mas se desequilibra em sua execução. Trazer a obra clássica para uma realidade mais atual foi uma ótima sacada, mas penso que talvez uma minissérie como formato permitiria uma exploração mais aprofundada e menos compacta desse tema, evitando que se perdesse no meio do caminho.
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