Apenas Coisas Boas: o desejo e o silêncio não sustentam a narrativa
- Marcos Silva
- há 36 minutos
- 3 min de leitura
Uma das minhas coisas favoritas de participar como público de um festival de cinema é o elemento surpresa. Muitas vezes escolhemos o que ver apenas pelo pôster, pelo título ou por dois parágrafos de sinopse que, na maioria das vezes, não conseguem preparar o espectador para o todo que o filme realmente é.
Esse é o grande diferencial em relação a uma sala de shopping: no festival, não se trata só de consumir uma obra, mas de descobri-la, de ser surpreendido por um olhar artístico que talvez nunca teria cruzado o nosso caminho fora desse espaço. Foi exatamente assim com Apenas Coisas Boas, exibido na Mostra Vertentes da 19ª CineBH.

Sinopse
Em Apenas Coisas Boas, o diretor Daniel Nolasco nos leva ao interior de Goiás, em 1984. Antônio, um homem solitário que vive isolado em sua fazenda, cruza o caminho de Marcelo, um motoqueiro que sofre um acidente na região. Do encontro inesperado nasce uma relação intensa, marcada pelo desejo, pela ruptura e por memórias que insistem em permanecer.
Ao mesmo tempo em que celebra a descoberta de um amor transformador, o filme revela os silêncios e as feridas que moldaram a vida do protagonista, expondo como a paixão pode ser tanto libertadora quanto dolorosa.
Fotografia e direção
O espaço rural é um personagem à parte. Sua imensidão não só representa o isolamento da cidade grande, mas também a solidão das relações humanas. A câmera, ao se aproximar lentamente dos personagens em meio a esse cenário vasto, foca em detalhes mínimos que ganham força justamente por acontecerem no meio do nada. É um recurso que cria tensão e reforça a sensação de confinamento emocional.

A fotografia explora cores escuras e contrastantes, mas também vibrantes. A luz incide como símbolo de calor e desejo, ao mesmo tempo em que denuncia violências silenciosas. Há sempre a sensação de que algo já aconteceu ou ainda está prestes a acontecer, mesmo quando nada está claro — um baita acerto da narrativa visual.
Atuações
O filme depende muito da entrega de seus protagonistas. A química entre Lucas Drummond e Liev Carlos funciona em tela, sustentando tanto as cenas íntimas quanto os momentos de maior tensão. Mas é Lucas quem segura o fecho dramático quando está sozinho. Ele encarna um personagem que carrega o peso de memórias reprimidas, vivendo no fio entre silêncio e desejo.

Um dos pontos altos é a cena entre o personagem principal e seu pai. O diálogo áspero, direto e sem filtros, expõe uma rejeição que marcou sua vida. Ali, ele se despe emocionalmente como não faz em nenhum outro momento do filme — muito mais do que nas cenas de nudez, que, infelizmente, acabam caindo em estereótipos. Falando nisso…
Fetichização e limites narrativos
E aqui está um dos problemas de Apenas Coisas Boas: a nudez explícita, usada mais como recurso fetichizado do que como parte orgânica da narrativa. Essa escolha não acrescenta camadas à história e, pelo contrário, reforça estereótipos ainda comuns em narrativas LGBTQIA+, onde o corpo nu parece ser o único eixo possível.
Há tantas outras questões e modos de contar histórias que poderiam ser explorados, e é justamente nesse ponto que o filme perde força. A narrativa tenta ser disruptiva, mas não chega a provocar uma reação que vá além do imediato. É um cinema que se arrisca, mas que ainda hesita em se aprofundar.
Afinal…

Apenas Coisas Boas tem seus méritos: uma fotografia vibrante e estilosa, atuações competentes e momentos de grande força dramática. Mas também é uma obra que não escapa de vícios narrativos e que acaba se diluindo na vontade de ser ousada. No fim, o título promete coisas boas, mas o resultado é uma experiência desigual — que vale a descoberta do festival, mas deixa a sensação de que poderia ter ido muito além.
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